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Entrevista: ?Em estado terminal, só analgésico não funciona? Ve�culo: Revista Época / José Fucs
José Ivo Sartori
“Em estado terminal, só analgésico não funciona” Da nova safra de governadores que tomaram posse em janeiro, provavelmente nenhum enfrentou tantos problemas quanto José Ivo Sartori, do Rio Grande do Sul. Sartori herdou um Estado que havia atingido seu limite de endividamento, sem poder fazer novas operações de crédito, e com um rombo nas contas públicas que atingiria, segundo estimativas feitas pelo governo gaúcho, R$ 5,4 bilhões em 2015, o equivalente a 20% do orçamento. Para tentar reequilibrar as finanças estaduais, Sartori está implementando medidas duras, mais concentradas no corte de gastos que no aumento de impostos, ao contrário do ajuste fiscal em andamento pelo governo federal. Na quarta-feira, Sartori esteve e São Paulo, para participar de um debate sobre a competitividade dos Estados, e falou à ÉPOCA sobre as dificuldades do Estado e suas propostas para superá-las. ÉPOCA – Desde sua posse, em janeiro, o Rio Grande do Sul enfrenta problemas financeiros sérios. O Estado atrasou salários do funcionalismo, pagamentos e fornecedores e dívidas com o governo federal. Até o 13º dos servidores vai atrasar. O Rio Grande do Sul está quebrado? José Ivo Sartori – Os problemas não começaram agora. Desde o início da década de 1970, houve apenas sete anos em que o Estado teve uma arrecadação maior que a despesa. Se fosse uma empresa privada, teria muita dificuldade para gerenciar esse processo. Tenho dito que as finanças do Estado não chegaram ao fundo do poço; passaram do fundo do poço. Nós não escondemos a realidade. Fomos às nove macrorregiões do Rio Grande do Sul para mostrar parar a população qual era nossa situação, sem atirar pedras para trás. Desde o início do governo, adotamos a transparência e tomamos as medidas necessárias, mesmo que amargas e duras, para resolver o problema. Se alguém está em fase terminal, só analgésico não funciona. ÉPOCA – Qual é a real situação financeira do Estado hoje? Sartori – Nossa situação é muito difícil. Da folha de pagamento, 52% são inativos. O segundo Estado da lista é São Paulo, com 27%. Quando assumimos o governo, se nada fosse feito, a previsão era de um déficit de R$ 5,4 bilhões neste ano, o equivalente a 20% do orçamento. Mesmo com todas as medidas que tomamos, vamos fechar o ano com um déficit de cerca de R$ 3 bilhões, porque a atividade econômica diminuiu com a crise e houve uma forte queda na arrecadação. O Estado também não pode fazer operações de crédito, porque o nível de endividamento atingiu o teto. Temos de nos virar com os recursos de que dispomos. Se eu pudesse emitir títulos estaduais, já teria emitido as Sartoretas, como as Brizoletas (títulos estaduais para financiar a educação) emitidas por (Leonel) Brizola quando foi governador (1959-1963). Mas, de acordo com a legislação, não posso mais fazer isso hoje. ÉPOCA – O senhor recebeu uma herança maldita do PT? Qual a responsabilidade do ex-governador Tarso Genro no rombo do orçamento? Sartori – Nunca fui de ficar olhando para trás. A gente tem de olhar para a frente e se concentrar nisso. Uma hora alguém tem de começar a arrumar a casa. Ninguém pode gastar mais do que arrecada. É como acontece com qualquer família. ÉPOCA – Na gestão de Tarso Genro, houve aumentos generosos aos servidores. Isso não complicou mais o quadro? Sartori – Foram aprovados aumentos salariais para servidores até 2019, sem vinculação com a variação do PIB estadual, a arrecadação ou a inflação. São despesas permanentes e crescentes, num cenário de retração econômica e diminuição de receita. É semelhante ao que ocorreu com o governo federal, que perdeu a oportunidade de garantir a estabilidade econômica nos tempos de bonança e agora tem de resolver o problema fiscal com inflação em alta e recessão. ÉPOCA – O senhor tem enfrentado forte oposição do PT e de outros partidos de esquerda, como o PCdoB e o PSOL. Ao contrário do que acontece no plano federal, no Rio Grande do Sul eles são contra a alta de impostos e dizem que o rombo nas contas não é tão grave quanto o senhor diz. Como analisa isso? Sartori – A divergência política é normal. O que me desagrada é a incoerência. O mais grave é condenar os outros por algo que vai praticar depois. Eu não sou desse estilo. No Rio Grande do Sul tudo é meio Gre-Nal. Só que eu não estou fazendo isso porque desejo, mas por necessidade. Às vezes, tem um custo político elevado. Mas, se você não plantar hoje, não vai colher amanhã. Se não nos convencermos de que é preciso um mínimo de convergência, não vamos sair da situação em que nos encontramos. ÉPOCA - Quais as principais medidas para sair dessa crise fiscal? O ajuste foi feito, mas pelo lado da receita, como o do governo federal, ou pelo corte de gastos? Sartori – Foi mais pelo corte de gastos. No primeiro dia de governo, decidimos não nomear nenhum concursado em 2015. Primeiro, por seis meses e depois por mais seis. A única exceção foi na educação, com a nomeação de 590 professores. Também reduzimos as secretarias de Estado, de 29 para 20, e fizemos um contingenciamento de gastos em 21% e dos cargos de confiança em 35%. Limitamos as horas extras e as viagens e aprovamos um novo regime de Previdência para os servidores. O valor máximo do benefício agora é o teto da Previdência nacional. Em junho, enviamos um projeto de lei de Responsabilidade Fiscal para o Estado, que ainda não foi aprovado pela Assembleia Legislativa. Segundo a proposta, os gastos com servidores não poderão crescer com a receita. Só 25% poderão ir para o pessoal. Os outros 75% irão para custeio da máquina e investimentos. Na área de gestão, começamos a implantar um programa de avaliação com base em resultados e metas. Ainda falta muita coisa, mas a lição de casa que fizemos já é uma grande conquista. ÉPOCA – Ainda assim, houve aumento de impostos. Essas medidas não seriam suficientes para resolver a questão fiscal? Sartori – Embora a maior parte do ajuste tenha vindo do corte de gastos, só isso não daria para resolver o problema fiscal do Estado. Então, conseguimos aprovar um aumento no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 17% para 18% e de 25% para 30% para alguns setores, como eletricidade e telefonia, a partir de 2016. Além de nós, só Santa Catarina cobrava 17% de ICMS. Agora, vamos renegociar os benefícios fiscais concedidos pelo Estado, cortando-os em até 30%, conforme o setor, para não afetar a competitividade das empresas. ÉPOCA – Desde abril, o Tesouro Nacional tem bloqueado todos os meses recursos que deveriam ser repassados ao Estado para cobrir parcelas não pagas da dívida com a União. Falta boa vontade de Brasília para resolver a questão? Sartori – Tenho mantido boas relações com o governo federal. Tenho uma boa relação com o (ministro da Fazenda, Joaquim) Levy. Hoje, o governo federal não tem condições de ajudar o Estado. Não dá para resolver só o caso do Rio Grande do Sul. O que estamos passando hoje outros Estados vão passar. Então, não adianta fazer só o juste fiscal federal, sem acertar a situação dos Estados. Por força das circunstâncias, quando os municípios de São Paulo e do Rio de Janeiro entraram com uma ação contra o Tesouro, houve um acordo e parece que o processo de renegociação acontecerá a partir de fevereiro de 2016. ÉPOCA – Além das medidas adotadas para resolver o problema no curto prazo, o que o senhor pretende fazer para equilibras as contas no longo prazo? A privatização faz parte dos planos? Sartori – No período eleitoral, eu disse que não teria preconceito político-ideológico para fazer as parcerias público-privadas ou concessões – e nós vamos fazê-las. Queremos avançar nas concessões das rodovias, hidrovias e pequenos portos. Já começamos a operar o Porto de Pelotas, com a Celulose Riograndense. Mas não posso fazer isso atabalhoadamente, para que seja uma coisa responsável, honesta e tenha credibilidade. Quem vai vender ativo hoje nesta crise? A que preço? A não ser que você seja um doido varrido e acredite que “é melhor ficar sem e entregar de graça”. Não dá. Também tem de entrar recursos no caixa. ÉPOCA – Muitas das medidas que o senhor tomou são impopulares. Em geral, no Brasil, os políticos não gostam disso, porque sempre há uma eleição à frente e eles temem a derrota nas urnas. Isso não o preocupa? Sartori – Não é o meu caso. Vou fazer o que precisa ser feito para equilibrar as finanças do Rio Grande do Sul e abrir caminho para a esperança. É o que eu disse há pouco: temos de plantar a semente da mudança e exigir que esse trabalho que a gente está fazendo agora tenha continuidade – e eu vou exigir. ÉPOCA – No plano nacional, a presidente Dilma enfrenta grandes dificuldades para aprovar medidas do ajuste fiscal no Congresso. O senhor aprovou tudo o que propôs. Qual o segredo? Sartori – A franqueza que a gente teve e a transparência ao colocar a situação financeira do Estado ajudaram boa parte dos parlamentares a perceber que é preciso fazer o ajuste hoje para que, amanhã ou depois, ninguém precise passar pelo constrangimento que estamos passando. |
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